Ah o Carnaval!
Por Lívia Pegneau
Ah o Carnaval! O suspiro vem de saudade. Afinal, já tem 2 anos que eu não sei o que é colocar uma fantasia, encher a cara de glitter, cantar e dançar como se quarta feira de cinza nunca fosse chegar. Mas ainda estamos numa pandemia, e a Omicron junto com a Influenza, deixaram pro ano que vem essa saudade ser saciada. E assim manteremos nossos blocos em casa, com esperança que em 2023 estaremos todos curtindo a alegria dessa festa.
Carnaval, para mim, sempre foi sinônimo de alegria. Mesmo ficando em casa, acompanhado pela TV os foliões, ver as pessoas curtindo, alegres, brincando, me traz uma sensação muito boa. Há uma leveza na felicidade das pessoas, como se fosse feito um acordo coletivo, que naquele período todo mundo apertasse um pause na loucura de trabalho vivida dia após dia durante 360 dias, e por cinco dias podemos simplesmente extravasar viver a fantasia de uma eterna festa…
Tudo muito legal descrito assim, né? Quase dá pra acreditar que é um momento de liberdade para todos, curtição despreocupada. Porém, para nós mulheres não é bem assim. Pois, a nossa querida sociedade machista não pausa, não é mesmo?
Quem já foi “pular o carnaval”, sendo mulher, sabe que você, infelizmente, pode sofrer assédio físico e verbal de algum marmanjo a qualquer momento. Não estou aqui falando para não haver pegação. Caso você queira alguém ali da multidão, jogue-se no momento daquele encontro. O que estou falando é aquela cena chata, que acredito toda mulher já sofreu:
Você e suas amigas na rua ou numa festa fechada, curtindo o carnaval, rindo, falando alto. Vocês escolheram por dias aquelas fantasias, enquanto dançam, vocês estão bebendo aquela bebidinha geladinha, afinal está um calor danado, com serpentina voando, junto com confete. Vocês estão absortas naquele momento de alegria, que vai gerar histórias engraçadíssimas, serão contadas em vários próximos encontros entre vocês. Quando chega um homem, ou um grupo deles em vocês, de forma agressiva; pegando pelo braço, cabelo, ou passando a mão no seu corpo sem a sua permissão, ou falando cantada barata, que já tem o intuito de lhe diminuir. Vocês decidem que não querem aquilo para vocês, aí vem mais: os xingamentos. Ou até uma agressão física, como socos, empurrões e beijar uma mulher à força. Se você não viveu algo parecido, sorte você teve, mas tenho certeza que já ouviu ou viu alguma história assim.
O que me intriga, no meio da minha indignação, sobre esse comportamento de alguns homens, são as justificativas dadas por tais. O simples fato de você estar ali dançando, com roupas curtas e bebendo, alguns dizem que você “está pedindo” para ele chegar na maneira que ele quiser, como se o seu objetivo ali fosse atraí-lo, “e agora reclama?”
Na mente da maioria está tão enraizada a ideia de que somos um objeto a ser escolhido pelo o bel-prazer masculino, com único intuito de satisfazê-lo, e que determinados “tipos de comportamentos” nossos, são “permissões” para não respeitar os limites corporais de uma mulher. E ainda mais, quando essa mulher não quer, a cabeça heteronormativa dele, não aceita o seu não.
A verdade é que a sociedade passou milênios construindo os nossos comportamentos, nossa maneira de viver, nossa mente perante as relações, o significado do que é ser mulher e homem. A muito pouco tempo começamos a questionar sobre essas “regras”, mostrar as consequências prejudiciais para nós dessa estrutura. Lógico, haverá muitas pessoas querendo que tudo permaneça, afinal mudanças são incômodas, contudo necessárias. Por isso, a campanha “Não é Não” é essencial para forçar mudar o percurso sobre o assédio feminino, tirá-lo na normalidade e sim puni-lo.
Por mais que seja óbvio para muitas de nós que nosso corpo tem que ser respeitado, independente como ele se apresenta, afinal ele é privado e não público. Para a maioria da sociedade esse nosso desejo de respeito é encarado como mimimi, como a geração que reclama de tudo. Não será fácil mudar, mas pelo menos agora muitas pessoas estão se questionando toda essa repressão vivida por nós desde sempre. Aos poucos estão percebendo os ventos da mudança que ainda tem muito que mudar. Lutaremos ainda mais para permanecer em nossas conquistas.
É assim importante que nós mulheres nos ajudemos. Vendo uma mulher sozinha bêbada numa festa, vá ajudá-la, a acolha, tente não julgar, afinal quem nunca bebeu um pouco demais? Apliquemos a tal sororidade, sabemos que o mundo não pausa em ser cruel conosco.
Quem sabe um dia a gente possa curtir nosso carnaval sem se preocupar em beber pouco a mais, poder escolher sem medo quem beijar, ir com a roupa que quiser sem ser importunada. Enquanto isso não acontece, vamos lembrar que não é não, não só no carnaval, mas sim na vida.