Amor de Mãe
Esta é a Ana! A mulher preta da minha vida.
Esta foto simboliza uma pequena parte de quanto eu amo essa mulher, quanto ela representa amor na minha vida, o quanto ela me ensinou afeto ter carinho, ter gentileza cuidado com o outro
Eu não me lembro o dia que Ana entrou na minha vida, porque ela sempre esteve lá comigo.E hoje não consigo imaginar a minha vida sem a sua presença. Minha vida sempre teve e sempre terá ela.
Não lembro o dia que eu a chamei pela primeira vez de minha mãe preta, e assim segue até hoje. Algumas pessoas estranham quando eu falo que eu tenho duas mães. Já rendeu algumas histórias engraçadas. Como vez que fizemos uma mudança eu ela e meu pai, e eu fiquei chamando de minha mãe o tempo todo. Os ajudantes ficaram sem entender, até que um chamou meu pai no canto e perguntou: “Como era aquilo?” Como uma mulher “daquela cor” poderia ter uma filha tão branca. Ai meu pai explicou a nossa história.
Se você perguntar para ela sobre se teve filhos, ela te dirá que Deus lhe mandou duas, logo seguida mostrará uma foto minha e da minha irmã. Ela conta rindo do espanto das pessoas.
Eu sou uma pessoa muito sortuda de ter sido criado por duas mulheres tão incríveis. Minha mãe biológica sempre trabalhou, ensinou à mim a força e a necessidade de ser independente, buscar autonomia financeira. Como passava o dia todo trabalhando, chegava em casa ela me dava atenção querendo saber como tinha sido meu dia, conversava comigo e me ouvia contar as minhas histórias do dia-a-dia de criança. Por isso criamos o companheirismo que temos até hoje.
Já a Aninha, sempre foi carinho, afeto, sempre permitiu eu brincar do que eu quisesse, e onde eu quisesse. Tenho memórias lindas nossas juntas. Nós duas brincando dentro de uma barraquinha, que eu achava enorme, meu castelo onde era minha principal convidada. E eu me divertia muito, ela rindo das histórias que eu criava com meus brinquedos, porque ela permitia eu inventar o que fosse, hoje vejo como isso estimulou minha criatividade. E entender que o outro precisa de ser aceito, para assim ter afeto.
Ela super entrava na minha fantasia de criança, e todos nós temos aquela época que nos perguntam “o que você quer ser quando crescer”, uma vez respondi “Porta bandeira de escola de samba!”. Ana pegou uma vassoura, colocou um pano de chão na ponta, dançou comigo. Juro que esse momento foi um dos mais legais da minha infância. A gente riu tanto, cantou o samba da nossa escola de coração “Beija flor”.
Sei que falar que eu nunca vi a cor da da Ana, mostra o meu privilégio. Pois, nunca sofri ou sofrerei, o que ela sofre. A minha pele nunca me impediu nada, pelo contrário abriu portas, me trouxe tratamento diferenciado. Confesso, que só fui perceber o racismo que Ana sofria anos mais tarde.
Talvez porque há pouco tempo começamos a questionar preconceitos que “normalizados” em nossa sociedade. Olha aí os benefícios da rede social! Como sempre digo, ela deu voz a realidades não conhecidas pela maioria, forçou a nós sairmos de nossas bolhas. Afinal, hoje só não vê o outro e sua realidade peculiar, quem não quer. Ou porque está muito confortável no seu privilégio, ou ainda, quem está entorpecido pela normalização de preconceitos enraizados na nossa sociedade.
Quando saímos, eu fico de mãos dadas com ela e a chamando de mãe, eu percebo que atraímos alguns olhares, mas para mim aquilo não incomodava, porque nunca houve julgamento no olhar do outro. Eu sei hoje, que era meu privilégio ali, infelizmente as pessoas a viam como a minha babá somente. Ligar para ana
O dia que eu percebi o tratamento diferente das pessoas com a Ana, foi na minha colação de grau da quarta série. A Ana foi a única que podia ir naquele dia, meus pais estavam trabalhando e minha irmã estava no colégio. Recordo que foi na quadra da escola, minha turma ficou no último degrau, então, eu pude ver toda a plateia.
A Naninha sentou na primeira cadeira de uma fileira, se não me engano, a penúltima fileira. Chegamos cedo, pontualidade é algo importante na minha família desde sempre. E a quadra estava enchendo de familiares ocupando os lugares. No começo da cerimônia, percebo Ana sozinha nessa fileira, pessoas estavam em pé ao redor dela. Naquele momento eu não entendia o porquê daquilo, mais uma vez meu privilégio me blindou da dor que não era minha. Ali foi a primeira vez que eu questionei as pessoas a verem ela diferente de mim.
Há poucos anos que eu fui compreender porque eu não consegui achar uma boneca preta, eu queria uma boneca da cor da Ana quando eu era criança, dizia eu que ia ter a neta dela. Só fui ver anos mais tarde, quando já não brincava mais.
Esse texto, infelizmente, demorou porque na vida de autônoma os trabalhos surgem do nada, não podemos nos dar luxo de negar, e não queria fazê-lo de qualquer forma. Aninha é importante demais para mim, queria colocar um pedacinho do meu amor por ela em palavras. Aqui é só um pedacinho bemmmmm pequeno. Devo muito a ela em ser essa mulher que eu sou, devo muito a ela ser carinhosa com quem eu amo, devo muito ela ser Lívia.